quinta-feira, 28 de junho de 2012

quimera #16

Porque é que ultimamente só consigo ter conversas sérias de madrugada? Eu sabia que estarias acordada, deitas-te sempre tarde e levantas-te igualmente tarde. Eu estava sem sono, era inundada por uma complexa desilusão de cidadã portuguesa. Como o meu pai disse "até nisto Portugal tem azar". A nossa raça latina faz de nós extremamente febris com as poucas coisas que nos dão fé (esperança talvez, conceitos diferentes) e à muito que não via tanta união como nos últimos dias. Como é que um grupo de gajos com mais do quíntuplo do salário da maioria dos portugueses pode mexer tanto com as emoções das pessoas? Não sei explicar, porque também eu sou uma dessas que tem como superstição desviar o olhar quando o adversário se aproxima da nossa baliza e gritar de mãos na cabeça ao ver a bola passar mesmo ao lado do poste. Tenho futebol que me corre que chegue pelas veias, em vários sentidos, de várias formas e ontem foi uma dessas vezes que respirei tudo a que tinha direito e provei a mim mesma que somos os maiores.
Mas não foi por causa disto que me apeteceu ligar-te às 2h da manhã aflita com o que estava a sentir ou a não-sentir. A minha cabeça nunca foi do melhor. Sempre fui atinadinha (como diz a minha tia) e as minhas notas boas. Em contrapartida a minha racionalização no que toca a sentimentos/vontades/desejos sempre ficou àquem. Em vez de equilibrar o coração com a cabeça, faço uma salganhada de ses e de comos que me esventra e me rasga de uma forma incessante. Posso dizer que já fui bem pior, as desilusões cravam em nós, de uma forma fantástica, a facilidade de lidar com os enigmas com mais pragmatismo e irreverência. Irreverência, é isso. Perguntaste-me só porque estava tão perturbada. Não consegui falar durante longos segundos porque esperava que me decifrasses logo. Ouviste só da minha parte que queria ser mulher, nestas mesmas palavras, e que a minha cabeça ou não deixava ou então deixava mas não me conseguia dizer como. Prefiro pensar que é a segunda hipótese, mesmo que seja a primeira. Sabias tudo a que me estava a referir, e mais do que isso sabias como estava cansada de arranjar pretextos e mais pretextos para não pensar. Mas como também sabes, comigo é impossível não pensar. "À medida que crescemos aprendemos que existe uma espécie de regra fundamental para lidar com os nossos pares: nem tudo o que te passa pela cabeça tem de ser partilhado. É por isso que existe a palavra segredo, o Teu segredo. Acredita quando te digo que não há ninguém neste mundo que respire por ti, que sonhe por ti, que adormeça por ti, que sofra por ti, que se apaixone por ti e que erre por ti. Como não vai haver ninguém que consiga partilhar da mesma forma de pensar que tu. Segue os teus instintos, como tu dizes, no que toca a sentimentos barra vontades barra desejos. Se te apetecer beber até cair, bebe. Se quiseres foder [pronunciaste muito baixinho porque odeias o sentido que dão à palavra]  com o único que neste momento te dá segurança física, fode. Se te apetecer reviver o monstro que te consumiu, revive. Se te der vontade de chorar pelo teu ex-namorado, chora. Se necessitares de te imaginar longe, imagina. Ninguém tem de saber e sabes porquê? Porque te conheço o suficiente para saber que já és uma mulher, não como as outras e que calculas as consequências como ninguém sem nunca pisar o risco de tão prudente que és." 
Foi por isto que tive uma conversa séria, de madrugada.

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